Medindo a honestidade em… pães!
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Medindo a honestidade em… pães!
Como o fornecimento de bagels para escritórios se transformou num estudo inédito e revelador da honestidade nos ambientes corporativos dos Estados Unidos.
Paul Feldman era um rapaz norte-americano formado em economia e doutorado pelo conceituado MIT (Massachusetts Institute of Technology), que trabalhava num instituto de pesquisa em Washington, capital dos Estados Unidos. Era a agitada década de 60 e, embora Paul trabalhasse com estatística, área pela qual era apaixonado, ele não estava feliz com as atividades burocráticas que realizava e sonhava com diferentes projetos de negócios.
Ele era fascinado por coletar e analisar dados e solucionar problemas, e chegou a desenvolver uma teoria de previsão de câncer em determinadas fatias da população mas, como ele era economista, e não médico, o Instituto Nacional do Câncer não deu atenção à sua pesquisa.
Num belo dia no início da década de 80, Paul chegou ao escritório trazendo uma cesta com vários bagels. Era um pequeno agrado que ele queria fazer à sua equipe, que tinha acabado de fechar um novo contrato de pesquisa. O bagel (pronuncia-se \ˈbā-gəl, ou bei-gol) é um tipo de pão originário da Polônia e muito popular na América do Norte. O bagel é um pãozinho moldado em formato de anel que primeiro é fervido em água e, em seguida, assado.
Seus colegas adoraram a ideia e isso tornou-se um hábito: todas as sextas-feiras Paul trazia 6 bagels, uma faquinha e um pote de cream cheese para o café da manhã de seus colegas. Os trabalhadores dos outros andares do escritório ficaram sabendo da novidade e também quiseram. Em pouco tempo, Paul estava trazendo 180 bagels por semana ao escritório. Agora, além da faca e do cream cheese, Paul deixava na copa uma cestinha para recolher o dinheiro dos custos: quem comesse deveria deixar espontaneamente o pagamento na cesta. Fanático que era por estatística, Paul monitorava, em detalhes, os dados dos pagamentos, e pôde verificar que a taxa de recolhimento era de 95%. Os 5% que não pagavam — acreditava ele — era porque haviam se esquecido de fazê-lo.
A fama de Paul se espalhou tanto que, numa confraternização de Natal do escritório, seus colegas o apresentavam às esposas como “o homem do bagel “.
Em 1984, cada vez mais desanimado com seu trabalho e com a recente mudança da diretoria da empresa, Paul pediu demissão para dedicar-se exclusivamente à venda dos bagels. Seus amigos o chamaram de louco e disseram que ele iria desperdiçar seu talento para os cálculos, mas Paul não deu ouvidos e começou a revender os bagels em vários escritórios da região de Washington. Ele passava cedo nas empresas e deixava os bagels e as caixinhas de coleta (que substituíram as cestinhas), e voltava antes do almoço para recolher as sobras e o dinheiro, num sistema de total confiança em seus clientes. Não havia qualquer controle e, assim, Paul jamais saberia quem pagou, ou não, pelos bagels que havia consumido.
Poucos anos depois a empresa de Paul, a Bagel Day, distribuía 700 dúzias de bagels por semana para 140 companhias. Paul estava feliz, realizado e ganhando bem mais que no antigo trabalho.
O mais curioso dessa história, porém, é que a atividade Paul não se limitou a revender os pães: fascinado por estatística, ele jamais parou de coletar, processar e analisar as informações detalhadas sobre a “taxa de honestidade” de seus clientes, ou seja, a relação entre os pãezinhos consumidos e o dinheiro pago pelos clientes. E disso nasceu um experimento econômico muito interessante e até então inédito. Eis algumas das descobertas de Paul:
- a taxa de honestidade de seus clientes girava em torno de 90%;
- os trabalhadores dos níveis hierárquicos mais altos das empresas eram os menos honestos. De fato, as caixinhas deixadas nos setores dos altos executivos arrecadavam menos do que as deixadas nos departamentos mais humildes;
- após os atentados de 11 de setembro de 2001 houve um aumento de 2% na taxa de honestidade, que perdurou;
- empresas de telecomunicações e escritórios de advocacia não têm uma taxa de honestidade alta, e por isso Paul os evita;
- o índice de pagamento é alto nos escritórios em que os funcionários parecem estar felizes com seus trabalhos e com seus chefes;
- a honestidade nos escritórios pequenos é de 3 a 5% maior do que nos escritórios com mais de 100 funcionários;
- a desonestidade cresce quando aumenta a taxa nacional de desemprego;
- quando o clima está ameno as pessoas pagam mais. Nos dias muito frios a desonestidade aumenta;
- em três feriados a arrecadação cai: Natal, Ação de Graças e Dia dos Namorados. Em dois, aumenta: Dia da Independência e Dia do Trabalho;
- clientes que são bons pagadores costumam manter seu nível de honestidade. De igual forma, os desonestos não tendem a mudar.
As estatísticas levantadas por Paul foram utilizadas em diversos estudos acadêmicos que inclusive relacionaram a “taxa de honestidade” no pagamento dos bagels com crimes cometidos pelos funcionários contra suas empresas, como desvios de dinheiro e atos de corrupção. A realidade mostrou que não existem diferentes graus de desonestidade: ou se é honesto, ou não.
A Bagel Day ( itsbagelday.com ) existe até hoje e atualmente entrega 8 diferentes sabores de bagels, além de donuts, frutas da estação, croissants, sucos, cereais, iogurte e muffins. Quem compra um bagel (por US$ 1.50) pode se servir de cream cheese.
Parte dessa curiosa história foi retratada no livro “Freakonomics: o Lado Oculto e Inesperado de Tudo que nos Afeta”, de Steven D. Levitt e Stephen J. Dubner.