Moda ou tendência: qual o seu negócio?
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Moda ou tendência: qual o seu negócio?
O que é duradouro e o que é passageiro? Saiba identificar o que é tendência e o que é moda, para fugir das armadilhas do mercado.
Quando eu era novo e saía pra balada de final de semana, tinha o costume de comer alguma coisa na volta pra casa. Amanhecendo o dia, eu parava para comer um sanduíche ou um cachorro quente.
Por onde passei, conheci vários lanches de rua, batizados com os mais diferentes nomes: dogão, podrão, baguncinha, simpático, laboratório, buraco quente e os famosos “X” (a forma popular do original em inglês cheese), os “X-bacon”, “X-salada”, “X-tudo”.
Apesar dos nomes e ingredientes diferentes, a proposta era basicamente a mesma: comida gostosa, em grande quantidade e barata.
Esses lanches eram vendidos quase sempre em pequenos trailers ou carrinhos de lanche ambulantes, feitos de fibra de vidro, madeira ou metal.
Mas, cerca de cinco ou seis anos atrás, começou a acontecer uma coisa curiosa.
Aqueles carrinhos deram lugar a furgões, reboques e até ônibus ultra equipados. Por fora, os veículos eram adesivados com artes criadas por profissionais de design, e seu interior brilhava de tanto inox nas paredes e equipamentos.
Os lanches ganharam nomes chiques, em língua estrangeira. Eles começaram a ser feitos com ingredientes de melhor qualidade, diminuíram de tamanho e aumentaram muito de preço. Esses pontos de venda passaram a se chamar food trucks.
A comida de rua, que era simples e barata, ficou chique e cara.
Raio gourmetizador
Esse fenômeno aconteceu tanto no Brasil que ganhou um nome: gourmetização.
A palavra gourmet teve origem na França no século XIX, e se referia a pessoa que era grande conhecedora de comidas e bebidas. Hoje em dia, gourmet no Brasil diz respeito à arte culinária da boa bebida e comida, a alta gastronomia.
Assim, a palavra gourmetização surgiu para indicar que um produto tinha subido de nível, era feito com ingredientes de melhor qualidade e técnicas de preparo mais refinadas, e tinha ficado mais requintado. E caro.
Um dos primeiros registros de gourmetização no país vem dos idos de 2007, quando o docinho mais popular e querido das festas de aniversário, feito apenas com leite condensado, chocolate em pó, manteiga e chocolate granulado, ganhava ingredientes importados e passava a se chamar brigadeiro gourmet. Nasciam, então, as brigaderias, as lojas especializadas em fazer a versão fina do docinho.
Esse conceito se espalhou rapidamente pelo país e, desde então, não pararam de surgir versões gourmetizadas de tudo quanto é coisa.
Brigaderias e food trucks se multiplicaram loucamente pelo Brasil, mas essa ideia começou a se desgastar. Nessa onda surgiram muitos produtos caros e sem tanta qualidade, e o cliente, até então encantado com a novidade, começou a perceber que estava pagando mais caro por algo que não lhe trazia mais valor.
A crise econômica dos últimos anos veio para ajudar a abrir os olhos do consumidor, e a gourmetização saturou o mercado e se desgastou rapidamente. Gourmetizar virou um termo pejorativo, utilizado para indicar algo que ficou chique e caro, sem ter melhorado o suficiente para justificar o preço.
Junto com o brigadeiro e os food trucks vários outros modismos surgiram e explodiram. Quem não se lembra dos cupcakes, das paletas mexicanas e do frozen yogurt?
Esse tipo de modinha sempre existiu, e não apenas no ramo da alimentação.
Quem tem o número do RG menor talvez se lembre de algumas febres, como os itens colecionáveis da Coca-Cola: os ioiôs, os minicraques e as garrafinhas e engradados. Mais pra frente, surgiram os MP3 players e os tamagotchis, os bichinhos virtuais. Recentemente tivemos a febre dos sites de compras coletivas e, pouco tempo atrás, vimos as crianças enlouquecidas para terem um [hand spinner].
O que essas ondas têm em comum é o fato de serem modas.
Indústria da moda
Moda, modismo, febre, mania, onda, ou ainda “ fogo de palha “, como dizia minha avó, é aquela animação, a empolgação por alguma coisa que aparece do nada, chega avassaladora e, também do nada, acaba.
A moda é rápida, passageira. Em pouco tempo ela atinge um pico de superoferta que acaba saturando o mercado. É, basicamente, o que acontece no setor de vestuário, onde o termo moda é mais utilizado e representa coleções de roupas e acessórios que têm validade limitada.
A cada uma dessas ondas teve gente que ganhou dinheiro, mas também teve bastante empreendedor que perdeu tudo.
Que fim levou?
Todos os exemplos de que falamos desapareceram rapidamente, assim como vieram. Veja só o que aconteceu com alguns deles:
Moda x tendência
Por outro lado, existe um tipo de movimentação de mercado muito mais consistente e duradouro. É o que chamamos de tendência.
Ao contrário da moda, que surge e se espalha rapidamente, a tendência é uma evolução lenta e gradual. É uma direção para a qual o mercado consumidor começa a se movimentar ao longo dos anos. São mudanças de hábito e de padrões de consumo da sociedade, que surgem aos poucos. As tendências são um comportamento ainda em evolução e que têm potencial de durar por longos períodos de tempo, até por mais de uma década.
Veja alguns desses movimentos que estamos percebendo nos últimos anos.
Envelhecimento da população
A expectativa de vida do brasileiro aumentou bastante nas últimas décadas. Em 1940, o cidadão nascido no Brasil vivia, em média, 45,5 anos. Hoje, a expectativa média de vida do brasileiro é de 76,3 anos. Também têm nascido menos criança s: a família brasileira tem, hoje, uma média de 1,7 filho, enquanto que, no ano de 1960, a média era de 6 filhos por casal.
Isso significa que a população brasileira tem cada vez mais idosos. Essas pessoas chegam à terceira idade com saúde, disposição e poder aquisitivo, e precisam de produtos e serviços que atendam às suas necessidades.
Vida mais saudável
A sociedade tem demonstrado preocupação com estilos de vida mais saudáveis. As pessoas têm buscado melhor alimentação, atividades físicas, tratamentos médicos preventivos e tratamentos estéticos, o que impulsiona mercados bilionários.
Esse movimento tem dado origem a produtos e serviços da indústria esportiva (como nas modalidades de ciclismo, academia e corrida) e da indústria alimentícia (alimentos saudáveis, orgânicos, artesanais, com baixos teores de açúcar, sódio e carboidrato, vegetarianos e veganos e slow food, por exemplo).
Porém, essa mesma tendência tem causado prejuízos a mercados tradicionais. Grandes conglomerados sentiram no bolso as mudanças de hábito das pessoas, que diminuíram o consumo de alimentos industrializados, refrigerantes e fast food.
Dois gigantes — McDonald’s e Coca-Cola — têm sofrido impactos em seus faturamentos e se viram obrigados a repensar seus modelos de negócio.
A rede de lanchonetes mudou muito de seu conceito, incluindo sua identidade visual, para segurar a perda de 500 milhões de consumidores e o fechamento de unidades (de 2014 a 2018 foram 3% de lojas fechadas pelo mundo). Já a Coca sentiu a queda no consumo de seus refrigerantes (15% em 7 anos, nos EUA; 2,6% somente em 2018, no Brasil), e passou a investir pesado na compra de marcas saudáveis e no desenvolvimento de novos produtos menos industrializados e com menos açúcar.
Mundo conectado
Outra tendência que tem se desenhado tem a ver com a disseminação da tecnologia, cada vez mais presente no cotidiano dos consumidores. É a chamada computação ubíqua ou pervasiva, termo que significa que a tecnologia é onipresente, está em todo o lugar.
Esse mercado se expandiu por conta do barateamento e da miniaturização dos componentes eletrônicos, o que permitiu a inclusão de tecnologia em uma infinidade de objetos, o que vai ao encontro das necessidades do consumidor de manter-se conectado e informado a todo tempo.
Esse gigantesco mercado inclui conceitos como casas e cidades inteligentes ( smart cities), Internet das coisas (IoT), assistentes virtuais (como Alexa, Siri e Google Assistente), 5G e Indústria 4.0.
Então, como evitar o prejuízo?
Apostar num negócio que é tendência é muito mais seguro que investir numa moda mas, se você estiver interessado em surfar numa onda, é importante considerar algumas coisas.
- Quem chega primeiro bebe água limpa. Quando se trata de moda, quem entra no começo da fila tem mais chances de sucesso do que aquele que aparece quando o mercado já está saturado. Entretanto, aqui existe um dilema: quem chega muito cedo pega uma terra desconhecida, e não é capaz de analisar corretamente qual o tamanho e o potencial daquele mercado. Já quem chega tarde, conhece o tamanho do mercado, mas não tem noção de quanto tempo ainda aquela febre vai durar. Ou seja, atuar em mercado de moda sempre será arriscado.
- Uma forma de se manter antenado, para identificar qual será a próxima moda, é prestar atenção nas sutis movimentações que vão acontecendo no mercado. Só que isso não é tarefa fácil. Existem grandes empresas de consultoria, mundo afora, que só fazem esse tipo de serviço, e mesmo elas não acertam sempre.
- Da mesma forma, é fundamental se manter atento ao que seus concorrentes estão fazendo. É o que se chama de benchmarking, é analisar onde a concorrência está acertando, para que você possa adotar, adaptar ou melhorar aqueles exemplos para o seu próprio negócio.
- Outra maneira de se preparar é acompanhar o que acontece no exterior. Muitas ondas vêm de fora e não são poucos os negócios de sucesso que foram importados de outros países por empreendedores brasileiros. Aqui é necessário um profundo estudo do mercado, pois nem tudo que deu certo lá fora vai funcionar aqui, e muita coisa pode ter que ser adaptada à nossa realidade.
- Acompanhar os mercados, seja nacional ou estrangeiro, toma tempo e exige dedicação. O empreendedor, já cheio de coisas para fazer, pode acabar não conseguindo acompanhar o volume e a velocidade das informações geradas pelos mercados.
- Se você já tem um negócio, considere aproveitar as modas que podem ser relacionadas ao seu ramo de atuação. Assim, os produtos ou serviços da moda seriam apenas mais uma opção no cardápio de sua empresa, e não o único produto. Dessa forma, quando a moda acabar, seu negócio pode continuar a operar com os demais produtos. Por exemplo, se você tem uma sorveteria e vê a moda das paletas mexicanas chegando, não custa muito surfar nessa onda e aproveitar o pico do consumo. Quando acabar a procura por paletas, você ainda terá sorvetes para vender. Trabalhar com monoproduto em negócios da moda é arriscadíssimo.
- Além de analisar se o mercado já está saturado de concorrência, verifique o tamanho da barreira de entrada para aquele mercado. Barreira de entrada são todos os fatores que dificultam que uma empresa consiga começar a operar num determinado mercado. Quanto maiores as barreiras, mais difícil que as empresas entrem. Se as barreiras de entrada forem baixas, significa que é muito fácil para qualquer empresa entrar naquele mercado, ou seja, a concorrência poderá ser muito maior. Por exemplo, para fazer um brigadeiro gourmet basta aprender a receita e comprar ingredientes de qualidade. Isso é algo fácil de se fazer, ou seja, as barreiras de entrada para esse mercado são baixas, e praticamente qualquer pessoa que queira fazer brigadeiro conseguirá entrar para a concorrência. Não aposte todas suas fichas em negócios com baixa barreira de entrada.
- Você analisou e decidiu que é uma boa aproveitar a onda? Então preste muita atenção e saiba exatamente quando entrar e quando sair. Estabeleça metas e indicadores de alerta, que servirão para te ajudar a decidir quando tirar o pé do acelerador e frear. Seja realista, sempre!
- Em mercados muito concorridos, é fundamental que você consiga se diferenciar, e isso é extremamente difícil. Para criar diferenciais você pode: entregar mais valor que seus concorrentes; atuar em nichos de mercado; e manter uma estrutura de custos enxuta, que te permitirá maior margem — e mais fôlego — que seus concorrentes.
- Evite entrar em negócios com os quais você não tenha afinidade ou que não conheça bem, mesmo que o mercado pareça muito promissor. Caso contrário, você poderá cometer muitos erros, ou então ficará na mão de funcionários ou terceiros, que detêm o conhecimento.
E o que você acha disso tudo?
Do que existe hoje, no mercado, o que é moda e o que é tendência? O que é passageiro e o que vai se sustentar ao longo do tempo? O que isso tudo impacta no empreendedorismo?
Reflita sobre alguns dos produtos e serviços que têm surgido e responda: é moda ou tendência?
Slime, barbearias, açaí, sorvete na pedra, crossfit, pizza cone… hoje tem muita gente investindo nisso, mas como esses negócios vão se comportar daqui pra frente?