Otimismo demais pode matar?
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Otimismo demais pode matar?
Enquanto o otimismo ingênuo esgota o ânimo e as forças das pessoas, o Paradoxo de Stockdale admite a dura realidade e as ajuda a enfrentar seus problemas.
O grande poeta e dramaturgo Ariano Suassuna dizia: “ o otimista é um tolo; o pessimista é um chato; bom mesmo é ser um realista esperançoso “.
Com essa citação eu começo nossa história de hoje.
Você já deve ter ouvido falar na Guerra do Vietnã, um conflito que durou de 1959 a 1975 e resultou na morte de milhões de pessoas.
Os Estados Unidos se envolveram nesse conflito e chegaram a enviar mais de 500 mil soldados. Milhares desses soldados morreram e outros milhares foram capturados e se tornaram prisioneiros de guerra.
A prisão vietnamita mais famosa na guerra foi apelidada pelos americanos, ironicamente, de Hanói Hilton: Hanói era a cidade onde estava a prisão, capital do Vietnã do Norte, e Hilton era a famosa rede de hotéis luxuosos.
Mas, de luxo, aquela prisão não tinha nada: péssimas condições de higiene, insetos, ratos e muita tortura era o que tinha ali.
O almirante da marinha americana James Stockdale voava sobre o Vietnã numa missão quando foi abatido. Ele se ejetou do avião, quebrou vários ossos, foi capturado pelos vietcongues e levado até a Hanói Hilton. Ele foi o prisioneiro americano de mais alta patente na Guerra do Vietnã.
Stockdale ficou preso durante sete anos e meio. Nesse tempo, ficou quatro anos numa solitária e dois anos preso com ferros pelas pernas. Ele foi torturado várias vezes.
Ao final da guerra, o almirante foi finalmente libertado e pôde voltar pra casa.
Superando as adversidades
Quando perguntado como ele tinha suportado aqueles sete anos e meio, ele dizia que nunca tinha perdido sua fé. Ele tinha certeza de que sairia vivo de lá um dia, mas sabia também que aqueles seriam os momentos mais desafiadores de sua vida.
Ele disse que viu vários companheiros seus morrerem na prisão, e que os que morriam primeiro eram os otimistas.
Eram aqueles que falavam “ah, relaxa, até o Natal vão libertar a gente”. E o Natal chegava e eles não eram libertados. Então, diziam “até a Páscoa a gente sai daqui”, e a Páscoa chegava e, nada. “Até o dia de Ação de Graças a gente estará em casa”, e passavam mais um feriado na prisão. Vinha o Natal do ano seguinte e eles ainda estavam presos.
Esses prisioneiros acabavam morrendo deprimidos, sem esperança; eles perdiam a vontade de viver.
Stockdale dizia que jamais deveria perder crença de que conseguiria sair vivo dali, mas que não deveria confundir isso com a disciplina de que ele precisava para enfrentar sua realidade.
Essa atitude, de misturar otimismo com realismo, foi a forma que o prisioneiro encontrou pra se manter vivo e não enlouquecer.
O Paradoxo de Stockdale
A história do almirante Stockdale é contada por Jim Collins, em seu livro “ Empresas feitas para vencer: por que algumas empresas alcançam excelência… e outras não. “
Jim é pesquisador, escritor e consultor, autor de livros que são best sellers em vários países. Ele é tido como guru dos negócios de bastante empreendedor de peso, como Abilio Diniz e Jorge Paulo Lemann.
Nesse livro, Jim Collins fez um relatório do estudo que fez, junto com 21 pesquisadores, durante cinco anos. Eles analisaram 1.435 empresas que apareceram na lista Fortune 500, uma relação anual das 500 maiores empresas dos Estados Unidos.
Ele selecionou apenas as empresas que faturaram pelo menos 3 vezes mais que as concorrentes de seu segmento durante 15 anos seguidos. Apenas 11 empresas entraram nessa seleção.
Então, Jim analisou essas empresas e identificou alguns princípios de liderança e gestão que elas tinham em comum. E, segundo ele, esses princípios é o que fizeram essas empresas se destacarem das outras e serem excelentes, e não apenas boas.
Um desses princípios, segundo Jim, é que os líderes das empresas excelentes mantinham uma fé inabalável de que conseguiriam vencer ao final, apesar das dificuldades, e ao mesmo tempo mantinham a disciplina para enfrentar os fatos mais terríveis e brutais de sua realidade de hoje.
É aí que Jim faz o paralelo com a história do almirante Stockdale, a quem ele entrevistou para o livro. Jim chamou esse comportamento de o Paradoxo de Stockdale: acreditar na vitória mas saber que o caminho será muito difícil.
Mais gente pensa assim
Esse tipo de comportamento não é novidade e já tinha sido observado e descrito anos antes.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o neuropsiquiatria judeu Viktor Frankl foi preso pelos nazistas e passou por quatro campos de concentração. Ele sobreviveu ao fim da guerra, mas sua esposa, seus pais e seu irmão foram mortos nos campos.
Frankl conta sua experiência, com detalhes, no livro “ Em busca de sentido “.
Nesse livro, Frankl conta que entre o Natal de 1944 e o ano novo de 1945 ocorreu um grande número de mortes no campo de concentração, mas não foi por causa do trabalho forçado, da alimentação ruim, do frio intenso ou de epidemias, que não tinham piorado naquele período.
A causa dessas mortes em massa era que a maioria dos prisioneiros, em sua inocência, acreditava que conseguiria sair da prisão e estaria em casa já para o Natal. Como chegaram os feriados e sua situação não melhorou, eles desanimaram, ficaram decepcionados, deixaram de resistir e de lutar para sobreviver.
O jeito que Frankl encontrou para sobreviver foi o que ele chamou de “ otimismo trágico “, ou seja, encarar a dura realidade, se manter otimista na tragédia, transformar o sofrimento numa conquista e numa realização, e encontrar sentido nessa situação.
É algo parecido com o pensamento do filosofo alemão Friedrich Nietzsche, que viveu no século XIX.
São de Nietzsche as frases: “ o que não me mata, me fortalece”, e “ aquele tem um porquê para viver, pode suportar quase qualquer como “.
De uns tempos pra cá se tornou comum as pessoas dizerem que o otimismo é a solução pra qualquer problema, que você precisa ser otimista a qualquer custo, e te vendem treinamentos e livros de autoajuda que te fazem acreditar que o simples fato de você pensar positivo vai te levar ao sucesso.
Esse é o otimismo ingênuo, inocente, que não dura, que traz decepção, que desanima, deprime e pode até matar.
O Paradoxo continua atual
Com a chegada da pandemia, e tudo o que de ruim que ela trouxe, o Paradoxo de Stockdale se mostra muito atual.
Estamos enfrentando o desconhecido, vivemos tempos difíceis, de incerteza, não voltaremos tão cedo a viver como antes. Estamos vivendo um evento histórico que pode demorar para acabar e que vai deixar marcas nas relações entre as pessoas.
Toda essa situação assusta e destrói o otimismo ingênuo de muita gente, que cria falsas esperanças e acaba tendo decepção atrás de decepção.
Por isso, a filosofia do Stockdale pode ser aplicada aos dias de hoje.
Temos que ter a fé inabalável de que a pandemia vai passar, ao mesmo tempo em que precisamos saber que vamos encontrar pela frente as situações mais terríveis e brutais, e que precisamos ter disciplina para nos cuidarmos e para enfrentarmos estas situações.
É mais fácil falar do que fazer, mas essa filosofia pode te inspirar e, quem sabe, te dar a força de que você precisa pra superar essa fase.