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Você sabe, mesmo, quem são seus concorrentes?

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Você sabe, mesmo, quem são seus concorrentes?

Você sabe, mesmo, quem são seus concorrentes?

O conceito do jobs to be done ajuda a enxergar quem são, de fato, seus concorrentes, e o que você pode fazer para se diferenciar deles.

No último dia 23 de janeiro faleceu, nos Estados Unidos, Clayton Christensen, considerado um dos maiores especialistas em inovação da atualidade. Clayton foi professor de Administração na Harvard Business School, uma das mais prestigiadas escolas de negócio do mundo.

Durante sua carreira, o professor Clayton pesquisou diversos aspectos da inovação e escreveu mais de uma dezena de livros, além de diversos artigos, publicados em conceituadas revistas de negócios. Ele foi eleito um dos pensadores de negócios mais influentes pelo portal de Administração Thinkers50, foi capa e reportagem da revista Forbes e seu trabalho serviu de inspiração a empreendedores como Steve Jobs (fundador da Apple), Andy Grove (CEO da Intel) e Reed Hastings (fundador da Netflix).

Clayton é especialmente lembrado por ter desenvolvido, em 1997, a teoria da inovação disruptiva, ou disrupção, uma das ideias de Administração mais influentes do início do século XXI. Este conceito foi trabalhado em seu livro The Innovator’s Dilemma, traduzido para várias línguas, inclusive o português. No Brasil, o livro recebeu o título “ O Dilema da Inovação — quando as novas tecnologias levam empresas ao fracasso”, e foi publicado pela editora M.Books.

Apesar desse trabalho ser considerado a principal contribuição do professor Clayton ao mundo dos negócios, ele também foi responsável por vários outros estudos, igualmente importantes.

Você não compra produtos, você os contrata

Hoje nós vamos falar de outro conceito desenvolvido pelo professor Clayton em suas obras, uma ideia genial chamada “ jobs to be done “ (JTBD). Em tradução literal isso quer dizer “trabalho a ser feito”, ou “tarefa a ser feita”. Embora não tenha criado o conceito, o professor foi o responsável por desenvolvê-lo e aplicá-lo ao marketing.

A ideia do professor Clayton é a de que os consumidores não “ compram” um produto ou um serviço, eles “ contratam “ um produto, ou um serviço, para realizar uma tarefa específica. Assim, entender qual a tarefa que deve ser realizada pelo produto é a chave para descobrir o que motiva o consumidor a comprar desse ou daquele fornecedor.

A história do milk-shake

Para explicar melhor, o professor contou uma história.

Muitos anos atrás, vez ele foi contratado pelo McDonald’s, como consultor, para desenvolver ações para aumentar a venda de milk-shakes. Esta rede de fast-food já tinha feito de tudo: tinha estudado o mercado, entrevistado consumidores, realizado grupos focais de pesquisa ( focus groups), distribuído amostras grátis para avaliação e, com base nos resultados obtidos, havia feito as mudanças no produto, mas a quantidade de milk-shakes vendida não aumentava.

Aí a equipe do professor abordou o problema de outra forma. Eles queriam entender para que os consumidores compravam aquele milk-shake e, para isso, ficaram por várias horas na lanchonete, acompanhando o movimento e anotando informações.

E então eles descobriram que metade dos milk-shakes era vendida cedinho, antes da 8 da manhã. Os consumidores estavam sempre sozinhos, entravam na loja, compravam apenas o milk-shake e saíam bebendo o produto e dirigindo seus carros. Esses consumidores foram abordados e entrevistados pelos pesquisadores, que os questionaram sobre o porquê deles comprarem o produto, e que outra coisa eles usavam, quando não compravam aquele sorvete.

O que identificava os consumidores é que eles tinham um longo e cansativo trajeto até seus trabalhos. Eles precisavam de algo para tornar o percurso mais agradável, e contratavam o milk-shake para a viagem. Como era cedo, eles ainda não estavam com fome, mas sabiam que iriam querer comer alguma coisa por volta das 10 da manhã, então o produto ajudava a acalmar seus estômagos.

Esses mesmos consumidores já tinham contratado outros produtos durante a viagem, como bananas, pães, , chocolates e donuts, mas todos tinham desvantagens, ou porque sujavam as mãos, soltavam farelos no carro ou atrapalhavam para dirigir.

Já o milk-shake era bem grosso e o canudinho fino fazia com que ele demorasse para acabar, e a bebida também enganava a fome até a hora do almoço. Ou seja, ele fazia aquela tarefa de “companhia de viagem” melhor que seus concorrentes.

Quem são seus concorrentes?

E é aqui que a coisa fica mais interessante!

Eu te pergunto: quais são os concorrentes do milk-shake do McDonald’s?

Se a gente, pra responder, tomasse por base as estratégias convencionais de marketing e de análise de mercado, a resposta seria: milk-shakes do Burger King, do Bob’s ou de outras marcas.

Mas, como você viu, quando aquelas pessoas não levavam milk-shakes, elas compravam outras comidas, como bananas, , donuts, chocolates. Ou seja, para aquela tarefa específica, os concorrentes do milk-shake não eram o mesmo produto de outras marcas, mas produtos diferentes.

Dessa forma, para aumentar as vendas, ao invés de mudar a receita da sobremesa, o McDonald’s fez outras mudanças: tirou o balcão de venda de dentro da loja e posicionou-o na área externa e também na janela do e criou cartões pré-pagos para agilizar a passagem dos consumidores pelo drive, tudo para melhorar a experiência do cliente.

Essa descoberta trouxe uma nova visão sobre quem são, de fato, os concorrentes de um produto ou serviço, e eu vou te dar três exemplos, não convencionais, para que você pense a respeito:

  1. Quem são os concorrentes dos hotéis? A resposta mais óbvia seria: outros hotéis, Airbnb ou pensões. E quem são os concorrentes das companhias aéreas? Da mesma forma: outras companhias aéreas, navios, carros ou outros meios de transporte. Porém, quando observamos o que o consumidor busca na tarefa do serviço, podemos encontrar respostas diferentes. Imagine dois pequenos empresários, moradores de cidades diferentes e distantes, que precisam se reunir com frequência para tratar do projeto em que trabalham. Claro, nada substitui a presença física, mas muitas vezes esse consumidor pode não ter dinheiro nem tempo para gastar com uma longa viagem aérea, hospedagem e alimentação. Esse consumidor quer apenas olhar nos olhos de seu cliente e discutir os negócios, o que não demora mais que uma hora por semana. Assim, ao invés de contratar companhias aéreas e hotéis, ele contrata o Skype, que faz a tarefa de que ele precisa, e por um preço infinitamente menor. Nesse exemplo, plataformas de videoconferência concorrem com hotéis e companhias aéreas.

  2. Para que você contrata um Uber? Talvez seja pra não ter que estacionar, não ter que prestar atenção no trânsito, ou apenas pra ir de um lugar ao outro. Nesse caso, os concorrentes naturais do Uber seriam o táxi, um mototáxi, uma carona, o ônibus. Mas você também pode contratar o Uber para voltar de uma festa em que você encheu a cara, porque você prefere evitar o risco de morrer ou matar no trânsito, ou de ser pego numa blitz. Se essa festa acontece num hotel, ao invés de voltar para casa, você tem a opção de dormir por lá mesmo. Nesse exemplo mirabolante, o hotel concorre diretamente com o Uber, porque ambos fazem a mesma tarefa: evitar que você se arrebente ou acabe preso.

  3. Esse terceiro exemplo surgiu numa aula que dei tempos atrás. Quando eu explicava esse conceito, uma aluna me disse que tinha descoberto isso na prática. Ela era dona de uma pequena loja de roupas na área central da cidade, e me disse que seus concorrentes eram restaurantes e lanchonetes! Segundo ela me contou, na hora do almoço muitas mulheres passavam pela lojinha pra ver roupas, mas não compravam nada. Ela, então, descobriu que algumas dessas mulheres não tinham um centavo além dos 15 ou 20 reais diários para almoçar. O que ela fez? Passou a oferecer salgadinhos e sucos para suas clientes, na hora do almoço. Aí apareceram consumidoras que, ao invés de almoçar na rua, faziam uma boquinha ali mesmo e já compravam uma blusinha. Os salgados realizavam a tarefa de alimentar as clientes, que aproveitavam a economia para satisfazer sua necessidade de blusinhas.

As falhas da segmentação de mercado tradicional

Outra grande mudança de pensamento começou a nascer dessa teoria. Os profissionais de marketing sempre tentaram entender o consumidor, ao invés de entender a tarefa. Para isso, usaram (e muitos ainda usam) bases de segmentação de mercado que consideram apenas as características das pessoas, e não a forma como elas utilizam os produtos.

As bases mais utilizadas para segmentação do consumidor são a demográfica, a psicográfica, a geográfica e a comportamental, que consideram alguns itens, como por exemplo:

  • demográfica: idade, sexo, renda, estado civil, cor, religião, ocupação, tamanho da família;
  • psicográfica: valores, opiniões, atividades, interesses, estilos de vida;
  • geográfica: região onde mora, proximidade do ponto de venda, características do município, área rural ou urbana, clima;
  • comportamental: quando e onde compra, frequência de compra, lealdade à marca, grupos de que participa, frequência de uso.

Com base nesses dados, muitos profissionais elaboram um conceito de consumidor-padrão de determinado produto ou serviço