Você não vai vender para todo mundo
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Você não vai vender para todo mundo
Escolher o público-alvo é fundamental para o sucesso de seu negócio.
Antes de ser empreendedor, você já era consumidor. E, como consumidor, você frequentou inúmeros ambientes comerciais como lojas, bares, restaurantes, shoppings, escritórios e consultórios.
Em alguns desses lugares você se sentiu confortável e, em outros, não. Em alguns, inclusive, você nem teve coragem de entrar. Talvez porque você achasse que eles eram muito chiques, muito caros ou, pelo contrário, você achasse aqueles lugares fuleiros, de baixa qualidade ou mal frequentados.
Se você é fã de mega shows de música sertaneja, com milhares de pessoas em pé, amontoadas, cantando a plenos pulmões, talvez não se sinta confortável num concerto de piano clássico, em que o público permanece sentado, em silêncio, por duas horas. E o contrário também é verdade.
Pode admitir, já aconteceu com você. Isso não é feio ou preconceituoso, e nem significa que você seja melhor ou pior que ninguém. Só significa que você, instintivamente, procura se aproximar daquelas pessoas que se parecem com você, ou que se comportam parecido com você, e isso é normal.
É tão natural que existem estudos científicos que comprovam que as pessoas tendem a se atraírem por pessoas que se pareçam com elas mesmas em comportamento, fisicamente ou em relação à personalidade.
Nós procuramos nossas tribos, nos sentimos confortáveis quando nos reunimos com nossos semelhantes.
Que fique claro: nenhum público é melhor ou pior que o outro, eles são apenas diferentes. E essa diferença, que é natural, precisa também ser respeitada por você, como empreendedor.
Como micro ou pequeno empreendedor, você precisa entender que jamais vai conseguir atingir todos os públicos. Por isso, escolher corretamente seu público-alvo é uma excelente estratégia de negócio.
Vamos ver um exemplo com chocolates.
Por uns 3 reais você compra uma barrinha de chocolate em supermercado. Porém, nos Estados Unidos existe um bombom de trufa (da marca Chocopologie Knipschildt) que é vendido a 960 reais (US$ 250) a unidade. Ambos são chocolates mas, muito provavelmente, quem é cliente de um não seria cliente do outro.
Mas não precisamos ir tão longe quando se trata de chocolates.
Por muitos anos, no Brasil, só existiam chocolates muito baratos ou muito caros. Os baratos — de marcas como Nestlé, Garoto e Lacta — eram encontrados em mercearias e supermercados, enquanto os caros eram vendidos em lojas exclusivas, como as da marca Kopenhagen, empresa que está em atividade desde 1928.
Não existia um chocolate com valor e qualidade intermediários até que, em 1988, o então adolescente de 17 anos Alexandre Tadeu da Costa dava os primeiros passos na criação da empresa que se tornaria a Cacau Show. Nesse negócio, Alê Costa (como gosta de ser chamado) posicionou seu produto numa categoria acima daquela dos vendidos em supermercados, mas ligeiramente abaixo das marcas premium e, com isso, conquistou uma enorme parcela da população com uma nova opção de produto, que tinha mais qualidade que um Nestlé e preço menor que um Kopenhagen.
Na realidade, as propostas de Cacau Show e Kopenhagen são diferentes, e elas deixam isso bem claro quando se comunicam. Enquanto a missão da Kopenhagen é a de “fabricar produtos de altíssima qualidade, preservando seu sabor com sofisticação e originalidade”, a Cacau Show busca “proporcionar ao maior número de pessoas uma experiência memorável e excelência em produtos e serviços”.
Veja que, enquanto uma quer entregar sofisticação, a outra pretende alcançar mais pessoas. Ora, altíssima qualidade e sofisticação custam caro e, se é caro, não é possível alcançar um grande número de pessoas. Por isso, não se pode agradar a públicos diferentes com o mesmo produto.
Como não tinha concorrência em seu segmento, a Cacau Show cresceu muito, e foi aí que o Grupo CRM, dono da marca Kopenhagen, percebeu que, por causa de seu modelo de negócio, estava perdendo uma enorme fatia de mercado consumidor.
Assim, o Grupo CRM criou, em 2009, a Brasil Cacau, uma rede de lojas de apelo popular que vende chocolates por até um quinto do preço da Kopenhagen, justamente para competir com a Cacau Show. Não é por acaso que, em várias cidades, as lojas da Brasil Cacau estão instaladas próximas às lojas da Cacau Show.
Aí vem a pergunta: para competir com a Cacau Show, por que a Kopenhagen simplesmente não baixou seus preços?
Existem vários motivos para isso, e um dos mais importantes é que a Kopenhagen estaria indo contra seu modelo de negócio, e poderia perder clientes. O fato é que o consumidor típico de Kopenhagen não se sentiria à vontade de comprar no mesmo lugar em que um consumidor de Cacau Show. Da mesma forma, um consumidor típico de Cacau Show ficaria constrangido de entrar numa loja chique da Kopenhagen.
A criação da Brasil Cacau permitiu ao Grupo CRM começar um novo modelo de negócio, direcionado a um público diferente daquele atendido pela Kopenhagen. E isso foi feito não apenas diminuindo o preço do produto, mas criando toda uma nova comunicação, a começar pelo nome (mais fácil de lembrar e em português), e alterando itens como o formato das lojas (que não são sofisticadas como as da marca de luxo), os meios em que faz propaganda, os uniformes dos funcionários, as embalagens dos produtos, os bairros e locais onde estão instalados os pontos de venda e até as paletas de cores utilizadas pela identidade visual das marcas.
Hoje, o Grupo CRM conta com 730 lojas, 380 das quais da marca Brasil Cacau, e fatura R$ 1,5 bilhão por ano. A Cacau Show tem mais de 2.200 lojas e faturamento de R$ 3,5 bilhões.
Essa estratégia, de manter diferentes marcas para atender a diferentes públicos, é muito comum aos grandes grupos empresariais.
Um exemplo é o GPA, empresa do Grupo francês Casino que tem mais de mil lojas espalhadas pelo Brasil. O GPA é dono de marcas de supermercado que atendem desde o público mais humilde, como o atacarejo Assaí Atacadista, passando por lojas de padrão intermediário, como Extra e Compre Bem, até lojas de padrão superior, como Pão de Açúcar. Da mesma forma que falamos antes, cliente de Assaí não costuma entrar no Pão de Açúcar, e vice-versa.
Outro exemplo é o da rede hoteleira AccorHotels, que tem várias unidades espalhadas pelo mundo. No Brasil, a rede é dona de opções econômicas, como o Ibis Budget, intermediárias, como o Novotel, de luxo, como o Grand Mercure e de alto luxo, como o Sofitel. As diárias podem variar de 80 reais, num Ibis Budget, a mais de 1.000 reais, num resort Sofitel.
Quando as empresas escolhem seu público-alvo elas estão se posicionando perante o mercado, elas estão selecionando a quem elas querem atender.
O importante, nesse processo, é conhecer muito bem o consumidor que se deseja atingir, saber o que ele valoriza, quais são seus problemas e o que ele considera valor para, a partir daí, criar produtos e serviços que atendam às suas necessidades.
Tem cliente que quer sempre pagar o menor preço, mas tem aqueles que não compram coisas muito baratas porque acreditam que elas não têm qualidade. São públicos diferentes, que têm conceitos diferentes do que consideram como valor, e precisam ser atendidos por modelos de negócios também diferentes.
E, além do preço, o posicionamento deve incluir várias outras questões, como localização, design da loja etc., como falamos antes.
Essa estratégia é fundamental principalmente para os setores de comércio e serviços, e vários profissionais liberais já perceberam isso. Por exemplo, assim como existem advogados, médicos e dentistas que abrem clínicas simples em bairros humildes, visando atender à população de baixa renda, também há aqueles profissionais que instalam seus requintados consultórios em áreas nobres, buscando receber pessoas de alta classe social.
Pra concluir, vai aqui a importante dica: não fique em cima do muro, achando que sua empresa vai conseguir atingir desde a classe E à classe AA, e agradar a todos, porque não vai. Você pode estar perdendo uma excelente oportunidade de se decidir, se posicionar, de escolher seu público e, a partir daí, entregar exatamente o valor que ele espera.
Ao se posicionar, você deve decidir qual a categoria de consumidores quer atingir, deve identificar as necessidades que são comuns ao seu público-alvo e, então, comunicar-se de forma a deixar bem claro, aos seus clientes, como você quer que eles enxerguem sua marca.